Divinas Tretas #27
Newsletter edição temática sobre avôs e avós. E mais dicas do peito, com as crias e sem as crias.
Olá, Divinas!
Aproveitamos o dia dos avós que rolou essa semana para falar sobre as nossas memórias e sentimentos como netas e refletir a respeito das fronteiras entre cuidado e sobrecarga, com direito a uma participação super comovente. Sempre com dicas que, nessa edição, vão de presentes, registros fotográficos e livros a como abordar sobre a morte de entes tão queridos com os pequenos.
A Vó do Tutu
Por Jana
Me chamo Jana, tenho 61 anos e há 5 vivo essa coisa mais deliciosa que é ser avó.
No dia em que o nosso neto nasce a gente vive um rito de passagem de mulher-mãe para o novo título AVÓ e, se o nosso coração já tinha muito carinho para os filhos e esposo, de um minuto para o outro ele se expande de uma tal forma que o neto passa a ser o personagem principal de todo o carinho que nós produzimos e sentimos.
E como contrapartida o Neto é fonte natural e espontânea do mais puro amor. Esse amor vem sem barreiras, com espontaneidade, sem críticas e nas horas mais inesperadas.
Fui muito amada por minhas avós e sempre dizia que quando eu fosse a vó, queria amar muito meus netos.
E o segredo é entrar no mundo deles com muito interesse, muita vontade de aprender, com muita atenção e sem expectativa de ensinar nada porque o tempo de ensinar já passou.
Com o Neto, a nossa autenticidade se fortalece e se expande por que eles nos permitem sermos verdadeiramente felizes!
Meu neto me completa. Sou extremamente feliz !
A treta de não ter minha avó e minha mãe
Eu sinto uma saudade colossal da minha avó que morreu quando eu tinha só 6 anos. Sou capaz de chorar copiosamente sua falta até hoje, 31 anos depois.
Já falei da série This is Us na edição #11 e reitero a fala do William - um personagem muito bem aproveitado, apesar de sua breve participação. Ele explica como a saudade daqueles que partem, especialmente quando nós ainda somos muito jovens (adendo meu), é permeada por outros sentidos, que não palavras ou cenas literais.
E assim, recordo do fim de semana na casinha da minha avó. Ela me pegou na sexta depois da escola. A casa dela tinha um cômodo com a cama e a TV em frente.
Daqueles dias consigo me lembrar dos sorrisos, do afago de deitar ao lado dela e da sua voz doce me chamando de Cilinha. Sinto levemente o coração palpitar pela alegria e pelo amor que me envolviam.
Minha filha não conheceu pessoalmente minha mãe, mas as palavras de William se cumprem na sua forma de materializar a avó. Além do episódio do lugar mágico descrito na edição #15, recentemente, outra cena me marcou. Antes de dormir, ela comentou sobre a música Dona Cila, da Maria Gadú, que eu costumo associar à minha mãe. Eu expliquei os motivos e então ela disse que também lembra dela quando escuta. Entenda, como uma pessoa lembra de outra que não conheceu?
Fiquei curiosa, quis saber mais, questionei sobre o que ela pensava sobre a avó. Ela respondeu que queria conhecê-la e tirar uma foto com ela em seu aniversário (momento muito importante pra ela, ela ama festa!). Instantes depois concluiu que não poderia, pois a vovó Nezilda tinha virado uma árvore.
Mas, mamãe, como vou saber qual árvore ela é?
Qualquer uma que tenha bons frutos, minha filha…
Sobre avós e sobrecarga
Precisa de uma aldeia inteira para criar uma criança, diz a máxima que nos fez repensar o estigma materno de encabeçar os cuidados com as crias em sua quase totalidade. Mas, pensando na vida contemporânea urbana, como atualizar essa noção de aldeia? Não fazemos mais parte de uma comunidade que divide os trabalhos e em que grupos de pessoas são encarregadas de cuidar de grupos de crianças. Mas, também, estamos sobrecarregadas. É aí que entra o tema dessa news, os avós. E vai ser polêmico.
Por muitas décadas, a opressão feminina era tal que não era permitido às mães reclamar e pedir ajuda. Tinham que dar conta de tudo sozinhas.
As crias eram responsabilidades somente das mães. O famoso "quem pariu Mateus que o embale". E precisamos de muito trabalho para nos comunicarmos entre nós sobre sobrecarga materna e alertar umas às outras sobre a necessidade de rede de apoio. Então, agora, vemos que, nessa bolha em que vivemos, estamos cada vez mais confortáveis em delegar funções e pedir ajuda.
Ainda temos um longo caminho enquanto sociedade, mas já demos uns passos relevantes. E os avós - mais especificamente as avós na maioria dos casos - são peças fundamentais nesse processo. Aqui em casa, minha mãe me ajuda sempre que pode com as crianças e é uma avó muito legal. Eu não seria nada sem ela.
Mas, como tô aqui pra problematizar, vamo lá. O que tenho visto muito é um exagero nesse lugar de pedir ajuda às avós. Fiz toda essa introdução pra não soar como se o problema fosse contar com rede de apoio, e da rede mais deliciosa que tem, que estabelece essa relação avó-neto. Não é sobre isso que estou falando quando falo de sobredemandar as avós. Estou falando de passar da linha mesmo.
Esse limite é frequentemente ignorado com o argumento de que avó tem que cuidar mesmo, tem que ajudar. Virou papel obrigatório. Isso é delicado demais. Acaba colocando uns pontos perigosos em questão, como:
Etarismo. Demandar mais do que uma avó está disposta a dar e priorizar nossa agenda em detrimento à dela é dizer que o tempo, os afazeres profissionais e de lazer dos jovens adultos são mais necessários de serem respeitados do que de um adulto mais velho - mesmo que ainda não idoso necessariamente.
Machismo estrutural. Ao impor que uma outra mulher ocupe o lugar de cuidadora das crianças em horários além do que ela poderia ceder com tranquilidade para manter sua rotina é aplicar sobre essas mulheres o que lutamos contra pra nós mesmas. Feminismo também inclui mulheres em outras etapas da vida.
Mas afinal, qual seria a métrica de bom senso nesse quesito? A primeira coisa é perceber se a avó está demonstrando algum cansaço ou falta de vontade de fazer aquela ajuda.
O compromisso com as crianças ganhou tom de um fardo na vida dela? Um trabalho não pago? O diálogo é fundamental - a gente tem que ouvir e respeitar. Mas, muitas mulheres de gerações anteriores têm dificuldades em expressar essa sobrecarga, justamente porque não passaram pelo empoderamento que nossa geração está começando a passar. Então, essa escuta tem que ser para além do verbal, e captar também os sinais que ela pode estar dando por não conseguir mandar a real.
Também tendo a pensar que se for para fazer algo muito exaustivo (cuidar de criança na madrugada, por exemplo, no caso de crianças que ainda têm demandas de acordar e serem postas para dormir algumas vezes por noite, ou por muitas horas por dia sem outros adultos para compartilhar tarefas), melhor optar por ajuda paga.
A não ser que seja algo muito pontual. Mas, esse tipo de responsabilidade exaustiva não deveria virar uma rotina. Afinal, a decisão de criar crianças pequenas não foi dela - sem querer entrar no provérbio do Mateus embalado, mas tudo tem seu equilíbrio e nós, de fato, precisamos assumir nossa parcela de responsabilidade. Os filhos ainda são responsabilidade dos pais, mais do que de qualquer pessoa da rede de apoio.
Tudo com bom senso funciona bem. O segredo é sempre uma escuta ativa e olhos atentos para se pôr na pele de quem nos ajuda. Funcionando bem, só tem coisas boas nessa relação.
Vó é muito bom, pena que dura pouco
Por Ju
Desde que eu me lembro o único sonho que eu tinha na vida era de ser avó. Venho de uma linhagem de netas e netos muito amados e cuidados (vide o texto da minha mãe aqui nessa news) então se tinha um amor que eu sempre sonhei em dar nessa vida é o amor de avó.
Minha avó materna, Dona Janete, era meu canto seguro, cuidadora e potencializadora da minha infância. Me ensinou a cozinhar e costurar, me fez ter gosto por essas ações de transformação, com ela entendi que retalhos podem virar calor e legumes podem virar carinho.
A casa dela, onde eu passava metade da minha infância, tinha contornos que eu sabia de cor. Cada cômodo o seu cheiro, sua luz, lembro de cada um como se estivesse lá. Mas a melhor memória é da cozinha.
Que é pra onde eu vou com as incríveis máquinas de teletransporte que são os cheiros e sabores de doce de abóbora e mingau de aveia. Comidas que eu faço quando preciso de um aconchego, de um acolhimento que eu tinha com ela, o sentimento de estar na casa dela e saber que ela estaria ali.
Depois que cresci, e especialmente depois que vi minha mãe se tornar avó, pensei muito mais, e de maneira diferente, sobre a minha vó. Me deu ainda mais vontade de viver esse amor, esse cuidado tão carinhoso que essas avós da minha linhagem têm com seus netos.
Só fico apreensiva que provavelmente serei avó mais velha que elas foram e talvez me falte a energia pra acompanhar as mil canseiras que um neto dá. Fico imaginando a Dona Janete dando conta de duas crianças (meu irmão e eu, e às vezes meu primo que morava perto), almoço, banho, uniforme, lanches, pirraças, febres, nebulização, um mingau diferente que ela fazia pra cada um (o Guga gostava de cremogema e o JL gostava de chocolate, e sempre fazia os três). E mais as crianças da vizinhança, que sempre circulavam pela sua casa, em brincadeiras infinitas de pique esconde e escolinha e que ganhavam lanche com bolo, sacolé e Ki-Suco.
Mas, ela era assim, um coração imenso, um portão sempre aberto pra quem precisasse. Tenho inúmeras memórias de pessoas que foram ajudadas por ela, seja um prato de comida, seja um “a senhora pode olhar meu filho enquanto eu trabalho?”. No enterro dela foram incontáveis os relatos que escutei de pessoas que eu lembrava de ter visto na minha infância me contando de situações em que só conseguiram fazer tal coisa porque Dona Janete ajudou. Isso me deu ainda mais orgulho da avó que tive e confirmou o que eu sempre achei dela: era puro amor.
Agora, enquanto escrevo, lágrimas escorrem dos meus olhos, lágrimas de saudade e de amor.
Tive um exemplo maravilhoso de como ser mulher nesse mundo (dois, porque minha mãe é tão generosa assim como ela). E gostaria que todas as crianças pudessem ter o direito de viver um amor de vó assim, quentinho, cheiroso e saboroso.
Carta para Thereza
Talvez o que doa mais não seja somente o fato da sua ausência.
O que dói é saber que tudo que eu planejei não pode mais acontecer:
- Tinha planejado aqueles nossos dias vendo sessão da tarde, quando você interagia com a TV como se os atores estivessem ouvindo,
- Tinha planejado ouvir mais uma daquelas histórias da sua vida, que você contaria pra mim e pasquiançatudo,
- Tinha planejado aquela viagem pra Itatiaia, com lanchinho da tarde e aconchego de vó,
- Tinha planejado ir até a sua casa pra mais uma vez insistir que você deveria desapegar de algumas das suas quinquilharias,
- Tinha planejado visitar seu quarto e olhar aquela penteadeira cheia de perfumes dos mais variados tipos,
- Tinha planejado ouvir sua risada bem gostosa que, no final, me chamava de moleca,
- Tinha planejado molhar as plantas mais uma vez com você,
- Tinha planejado dançar mais uma vez na festa com você,
- Tinha planejado olhar seu risinho depois que eu ajeitava o grampo que estava sempre caindo do penteado impecável,
- Tinha planejado comer aquelas guloseimas que sempre tinham escondidas nos potes da cozinha,
- Tinha planejado ouvir sempre aquela versão otimista das histórias e das pessoas que só você tinha,
- Tinha planejado contar minhas ideias profissionais, com suas dicas de tudo que você já tinha passado,
- Tinha programado que você conheceria meus filhos, brincaria com eles pra que eles construíssem histórias incríveis e cheias de afeto, assim como eu.
Da sua eterna moleca, Dani.
Vó Ernesta
Minha avó materna tinha 27 netos e, ainda assim, sabia de cabeça a data de aniversário de cada um. Ia à missa pelo menos 3 vezes por semana e assistia à Rede Vida o dia todo. Nunca andou de avião e não comia fast food. Cultivava uma horta com verduras em seu quintal.
Fazia seu próprio fermento, levain, à base de batata, que usava para fazer o pão mais amado da família. A receita, ela levou consigo quando morreu, uma vez que não tinha paciência para explicar os detalhes e ninguém nunca conseguiu anotar.
Guardava a água da chuva para lavar a calçada e não comprava tapetes; preferia fazer os seus com remendos de roupas velhas. Sempre tinha guardado um pijama novo em caso de precisar dormir no hospital.
Era uma católica fervorosa e acreditava na máxima: "Deus ajuda quem cedo madruga". Assim, nunca dormiu até tarde nenhum dia de sua vida. Se irritava com o horário de verão, pois achava que o dia demorava para acabar. Dormia e acordava com o sol. Enterrou um filho e um marido, mas nunca perdeu a fé e nem se abalou.
Quando era mãe de 8 crianças pequenas, no Natal, fazia bolachinhas e as colocava em saquinhos para os filhos, dizendo que o Papai Noel havia trazido. Anos mais tarde, já como avó, aos domingos, depois da missa, fazia sopa de macarrão com carne e legumes para toda a família, cerca de 30 pessoas ou mais.
Seu afeto se manifestava por meio da comida e do cuidado, não era de abraços.
Quando queria xingar, falava "a má vá vá" e gesticulava com as duas mãos para cima. Nunca respondia que estava tudo bem quando alguém perguntava como ela estava; dizia que estava indo.
E estava mesmo, sempre em movimento, mesmo quando deveria estar descansando.
Era uma fortaleza, matriarca com presença entranhada na memória e no coração de seus filhos, netos e bisnetos. Dona Ernesta era italiana braba que não dizia "tchau".
Dicas do Peito!
🐣 Com elas (as crias)
Como falar sobre morte
Da Pri
Uma grande questão pra mim, que não tenho crenças religiosas, é falar sobre a morte com as crianças, já que é um tema demasiadamente sensível no meu caso. Ao mesmo tempo, eu queria muito que eles tivessem a referência dessas pessoas em suas vidas, mesmo que postumamente.
Demorou pra eu chegar numa concepção que me sentisse confortável para passar adiante e facilitar o entendimento dos pequenos. Descobri esse vídeo depois de já ter tido uma conversa sobre, porém ele foi o que mais se aproximou do meu pensamento. Alguns livros infantis tratam do tema e Ju tem um post só sobre isso. Também indico o Podcast Finitude, que manda muito bem sobre o assunto e há um episódio específico a este respeito.
Registre os avós e os netos
Da Ju
Faça muitas fotos e vídeos dos seus filhos com os avós. Eu não tenho muitas fotos de mim criança com minha avó. Não sei o que rolou ali, se ela não gostava, se os outros adultos não pensavam nisso (e nem era por falta de acesso à tecnologia porque tenho milhares de fotos da minha infância, mas de nós duas quase nada). Mas, com o Tutu, eu fiz questão de registrar muito, especialmente com meu avô, seu biso, porque sei que a convivência deles seria pouca em anos (apesar de intensa em momentos). Já com as avós, elas mesmas fazem muitas selfies, mas ainda assim eu gosto de registrar o carinho, as conversas, os abraços e os chamegos em geral.
Livro sobre ancestralidade e diversidade na festa centenária
Da Dani
A festa de 100 anos do Seu Benedito vai animar toda a família, afinal, agora ele é um cen-te-ná-rio.
Para homenagear seu bisavô nessa data tão importante, suas bisnetas e seus bisnetos irão escolher penteados lindos para participarem da comemoração. E cada uma e cada um irá presentear seu bisa com a virtude mais poderosa que tem.
Esse livro cheio de afeto também fala sobre ancestralidade e diversidade através do penteado de cada criança que irá na festa.
Um livro lindo como os muitos da Kiusam de Oliveira, que devem ser lidos e relidos com as crias.
💃 Sem elas (as crias)
Presentes simples e legais
Da Pri
Por aqui, vez ou outra, nós imprimimos fotos das crianças com ou sem os avós e damos a eles. Minha vontade era ter tempo de comprar um daqueles álbuns digitais, sabe? O último que consegui montar foi o do nosso casamento, que demos aos pais (as nossas mães, obviamente, amaram!). Por isso, mantenho essa ideia na minha lista de presentes baratos, porém recheados de emoção…
Registro dos Avós
Da Ju
Talvez sua criança (ou você mesma) seja curiosa pra saber sobre a vida das avós e dos avôs pra além desse papel. Pra isso, eu achei um livro-caderno-de-perguntas super legal pra presentear e recolher memórias, causos, histórias, reflexões dessas criaturas maravilhosas que acolhem nossas crianças nos seus corações. Já dei esse modelo aqui pra minha mãe (e também tem do vovô).
Presente do dia dos avós
Da Dani
Dar um mimo no dia dos avós é sempre bom! Eu gosto de presentinhos afetivos tipo cesta de café, cartinhas e flores.
Aproveitando a data, uma boa dica é presentear com um bastidor bordado com foto com os netos. Eu presenteei no aniversário da vovó com esse e foi o maior sucesso!
🎶 Já conhece as nossas playlist no spotify?
→ Para ouvir sem as crias
→ Para ouvir com as crias
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Termino de ler essa edição com lágrima nos olhos. Me fez pensar sobre essa relação com avós. Um pulo geracional que acrescenta tantas camadas de afeto e memória na matéria que nos constitui pro resto da vida.
Adorei essa edição que além de muito linda, me fez refletir bastante sobre a idealização que temos com as avós e os avôs.