Olá diviners,
Cinquenta vezes dando “Olá” pra vocês, olha só, que alegria! \o/
Nessa edição especialíssima, testamos um formato diferente: nós cinco resolvemos nos entrevistar. Cada uma formulou uma pergunta, e todas nós respondemos. Do lado de cada pergunta tem o nome de quem a fez. E a treta é quem respondeu. Como sempre, os assuntos variam bastante, mas sempre dentro do universo imenso que é ser mulher e mãe na atualidade. Tem emoção, tem risada, tem lembrança e reflexão.
Esperamos que vocês curtam essa leitura assim como nós curtimos escrever.
E gostaríamos de pedir pra que nos contem as suas impressões e o que mais te tocou nessa edição. A gente AMA trocar com vocês.
Bora lá?! Bora!
A treta da Juliana
Como a maternidade mudou sua relação com seu corpo, no tocante a sua autoestima, sexualidade, prazeres, toque e cuidados? (Marcela)
Sexualmente não sei se mudou muito não, não pela maternidade, mas pela maturidade, eu acho, no que diz respeito a minha relação comigo mesma, segui no meu caminho, que considero livre e de minha priorização, de sempre. Talvez o que tenha surgido de proveitoso da maternidade foram as amizades e o conhecimento e incentivo da Dani, em relação a acessórios, especificamente hahahaha. E pensando melhor, acho que uma vontade maior de naturalizar o corpo da mulher real pra que meu filho tenha, desde sempre, uma imagem positiva de uma mulher adulta satisfeita, com partes mais molengas do que as da mídia, talvez, mas que é feliz, e que busca sempre o bem-estar. Eu sempre tive essa referência na minha mãe, uma mulher confortável com o corpo que tinha e que buscava sempre estar bem consigo mesma (por exercício, yoga, caminhada, roupas, unha, batom etc. Sempre senti que ela fazia isso por ela mesma e não pra agradar quem quer que fosse).
Qual evento da sua vida você estaria disposta a apagar mesmo sabendo que isso poderia culminar numa total mudança de percurso pessoal, familiar, espiritual etc? O que você acha que aconteceria? (Pri)
Certamente apagaria a morte do meu irmão. Por mais que todo o “depois” tenha me ensinado baldes, não consigo dar outra resposta no dia de hoje, em que sinto uma falta imensa e constante e gigante e sem solução. Não sou uma pessoa religiosa a ponto de acreditar que “Deus é bom o tempo todo” e que “as pessoas têm o tempo certo delas na terra”, quero sim exercitar meu direito de ser egoísta e querer meu irmão aqui vivo pra seguirmos nosso caminho, com os encontros e desencontros, mas sempre um porto um pro outro.
Se você não fosse você, você seria facilmente sua amiga? Por quê? (Ju)
Acho que sim, me considero uma amiga generosa e divertida de estar junto, apesar de não ser a “amiga de todos os rolês” gosto de estar presente nos momentos importantes das pessoas de quem gosto. Sou aquela amiga que perdoa as ausências, pois sei que me faço ausente muitas vezes também. Pelo lado ruim, às vezes me acho repetitiva com certos assuntos ou talvez pouco disponível emocionalmente, então entenderia se eu não quisesse ser muito minha amiga.
O que seus pais te ensinaram que você considera bom e passará para os seus filhos? E o que você considera ruim e não passará para os seus filhos? (Catarina)
Pelo lado bom, tentar (ao menos tentar) ter uma visão positiva e otimista das coisas, cultivar as amizades (minha mãe tem amigas desde antes de eu nascer, fizeram parte da minha vida todinha). Comprar a roupa ou sapato e já usar! Não quero deixar pra depois a roupa que já posso estrear hoje, inclusive escrevo essa resposta usando uma blusinha e uma sandália que comprei ontem. hahahaha Espero que ele aprenda a ser um homem independente e que saiba cuidar de sua casa e de sua vida como meu irmão foi. Quero que meu filho aprenda que sozinho ele não dá conta, e que pra pedir ajuda não precisa sentir que chegou no fim da linha. Espero que ele honre seus possíveis filhos, ainda que não deseje mais estar junto de quem os fez junto. Que pare de fazer drama pra chamar atenção (isso ele já recebeu no código genético do pai).
Para você qual a sorte da maternidade? E o revés? (Dani)
Indubitavelmente, a melhor parte é poder ver em primeiríssima mão uma pessoa novinha em folha descobrir o mundo. Re-conhecer a maravilha através dos olhos de uma criança. Poder desacelerar (ser obrigada a desacelerar) para acompanhar o trajeto de uma formiga. Rir de gracinhas tão lindinhas, ver filho acordando, com cara de mau-humor igualzinho você. Perceber que grande parte do que a gente é se reproduz nesse novo ser, gostos, manias, posições de dormir… Também esse é um revés: ver nessa mini pessoinha o que mais te irrita em si mesma ou no pai. Ter que cuidar de alguém doente estando doente. Ter que escovar os dentes de quem não quer ter os dentes escovados. E tudo isso com paciência e pedagogia no final de um dia, semana, mês exaustivos. Quando é bom, é muito bom, mas quando é ruim…
A treta da Dani
Como a maternidade mudou sua relação com seu corpo, no tocante a sua auto estima, sexualidade, prazeres, toque e cuidados?(Marcela)
A maternidade me fez ter que entender meu corpo, meus desejos e limitações: tive que entender uma Dani além da Dani e uma Dani sem a Dani. Eu acho que deixar de ser “livre” e ter minhas próprias escolhas, certamente foi o que mais mudou e ainda é o que eu mais tenho questões. Ter três pessoas que certamente ainda dependerão muito de mim é, para além da responsabilidade, um limitador de muitas coisas que ainda tenho dificuldade em lidar. Com relação aos cuidados, toda mãe se deixa um pouco de lado, acaba focando nos filhos nas compras, muitas deixam de se arrumar, mas nunca foi meu caso: eu sempre fui muito vaidosa e busquei não esquecer de mim no quesito cuidados com corpo e afins, mesmo na maternidade. Se eu disser que não teve momentos que esqueci de arrumar algo em mim no corre corre de mãe de três crias é mentira, mas no geral eu sempre estive bem nesse quesito.
Já a sexualidade é isso, né? Esgotada demais para transar durante muito tempo, principalmente depois que fui mãe de gêmeos. Fora que pra sociedade ou você é mãe ou você é mulher, né? Então apesar de eu ser uma pessoa que sempre tive boa relação com a sexualidade, demorei muito para conseguir que todo esgotamento da vida materna e “bloqueio social” me permitissem viver uma sexualidade saudável e madura.
Qual evento da sua vida você estaria disposta a apagar mesmo sabendo que isso poderia culminar numa total mudança de percurso pessoal, familiar, espiritual etc? O que você acha que aconteceria?(Pri)
Na verdade eu não gostaria de apagar, mas de ter seguido um outro caminho, que seria ter feito um intercâmbio no Canadá quando tive oportunidade. Meus tios foram morar lá há mais de 20 anos e sempre me ofereceram essa possibilidade e eu sempre adiei. Esse sempre foi um arrependimento que certamente teria mudado o rumo da minha vida: da maternidade, casamento, formação acadêmica, mas é um “se” que eu nunca saberei…
Se você não fosse você, você seria facilmente sua amiga? Por quê? (Ju)
Eu sou uma pessoa que tenho muitos amigos e amigas, apesar do meu jeitinho muito direto e muitas vezes grosseira. Tenho uma amiga que lá na época de escola disse que eu era como um perfume cítrico, e que nem todas as pessoas sabiam apreciar meu cheiro. Porém, como uma boa virginiana que sou, meu modo de demonstrar amor é o cuidado, e nisso eu sou muito presente, de maneira ou outra, na vida das minhas amigas. Eu acho que seria minha amiga porque aprecio em mim a forma como eu cultivo as minhas amizades, que demonstro e que me faço estar na vida delas.
O que seus pais te ensinaram que você considera bom e passará para os seus filhos? E o que você considera ruim e não passará para os seus filhos? (Catarina)
Eu me lembro dos meus pais derretendo soda caústica na casa da minha avó para colar lambe lambe nas madrugadas, me lembro de pequenininha saber cantar a música do Lula durante a passeata. Óbvio que uma criança de 5/ 6 anos não tem a mínima noção do que estava fazendo naquele local, mas ver de perto o que era ser idealista me fez querer ser uma quando crescesse. Uma coisa que tenho muito orgulho é da minha formação política. Apesar de ter crescido indo em passeatas e manifestações do sindicatos dos professores, CUT e PT, eu não sou filiada a nenhuma dessas entidades, mas isso me fez muito do que sou. Política sempre foi um assunto amplamente discutido na minha casa, e meus filhos acabam ainda tendo muito contato com a avó, assim como temos diversas discussões sobre o assunto.
Crescer com valores políticos como diversidade, respeito às diferenças e luta por direitos, certamente influenciou a escolha da minha profissão, inclusive, mas também me faz ter orgulho de estar do lado certo da história, e esses são os valores que quero que meus filhos tenham. Ao mesmo tempo, apesar de defender tais valores, meus pais são brancos e a discussão sobre racismo nunca esteve presente na minha casa. A falta de letramento racial durante a infância, certamente foi formadora de diversas lacunas da mulher negra que hoje sou, em especial na adolescência. E hoje, sendo mãe de filhos negros e brancos eu considero primordial uma formação que discuta racialidade e tenha como cerne antiracismo.
Para você qual a sorte da maternidade? E o revés? (Dani)
Pra mim a sorte e o revés são justamente estão no mesmo cerne, que é justamente a possibilidade de ser a formadora de alguém. Ter filhos é algo que me traz milhões de questionamentos diariamente sobre como estou exercendo esse papel da maternidade: as dúvidas, questionamentos e a famosa culpa, da qual sempre escrevo e não consigo me desvencilhar.
Eu sou uma das mães mais “maternidade real” que conheço e romantizo zero esse estado. Acho que é o serviço mais esgotante e pouco valorizado do mundo, principalmente pelos pais. E, apesar de ainda se falar muito do esgotamento e sobrecarga materna nos dias de hoje, pouco vejo de mudança com relação ao cuidado da saúde mental dessas mães e formação de redes de apoios efetivas para amenizar essa situação. Ao mesmo tempo, agora sendo mãe de uma “serzinha” mais formada, já com treze anos, essas milhões de questões que continuam azucrinando minha cabeça às vezes dão espaço a um pensamento maravilhoso de orgulho! E essa é a sorte de ser mãe: pode ver de perto o poder de uma criação e se orgulhar muito dos pequenos feitos.
Quando vejo minha cria cheia de personalidade, defendendo valores bacanas como feminismo e diversidade, eu quase esqueço dos milhões de perrengue que a maternidade me proporciona dia após dia.
A treta da Catarina
Como a maternidade mudou sua relação com seu corpo, no tocante à sua autoestima, sexualidade, prazeres, toque e cuidados? (Marcela)
Alguns aspectos mudaram bastante e outros nem tanto. Demorei para ter o meu corpo de antes da gravidez de volta, achei que seria daquelas que emagrecem por causa da amamentação, mas não fui. Fui perder todos os quilos da gravidez quando a minha filha já tinha um ano, e ainda faltaram dois eternos que volta e meia eu perco e depois ganho. Prefiro quando estou no meu peso de antes, mas já me acostumei a ter o peso atual. É uma questão para mim, me manter magra ou pelo menos o que eu considero magra, porque isso é muito pessoal. Meu cabelo também caiu bastante no puerpério, e foi outra questão para mim. Sempre tive apego com ele, então esses dois aspectos ainda são trabalho em progresso no sentido de aceitação. Sexualidade mudou no sentido de não querer toques em certos lugares, como os seios durante a amamentação, e a frequência caiu bastante, mas a qualidade se manteve.
Qual evento da sua vida você estaria disposta a apagar mesmo sabendo que isso poderia culminar numa total mudança de percurso pessoal, familiar, espiritual etc? O que você acha que aconteceria? (Pri)
Estou lendo um livro sobre isso e já vinha pensando muito sobre essa pergunta, então a minha resposta é que eu não apagaria nada, assim como alguns personagens do livro. Eu gostaria demais que meu pai não tivesse morrido quando eu tinha 15 anos, mas acredito que isso mudaria totalmente o rumo da minha vida. Certamente não teria vindo para o Rio, não iria conhecer meu parceiro e nem teria a minha filha, talvez também tivesse feito outra escolha profissional. E hoje eu não mudaria nada que tirasse a vida que tenho. Queria que ele estivesse aqui para conhecer a neta, mas não queria que isso mudasse minha realidade atual.
Se você não fosse você, você seria facilmente sua amiga? Por quê? (Ju)
Super, me amo (a maior parte do tempo) e me acho super legal. Vivo me perguntando por que diabos não tenho mais amigos (risos nervosos). Acho que tenho uma certa miopia sobre eu mesma como amiga. Ou não me esforço o suficiente, ou me mudei demais ao longo do tempo e fui me acostumando a não manter as amizades. Tenho uma certa preguiça de falar via cartas, telefone, mensagens e etc. Então sou bem relapsa nesse quesito. Também tive um trauma causado por uma "grande" amiga que sumiu da minha vida sem dar explicação. Acho que isso me fez desconfiar mais das pessoas e não querer amizades profundas. Porém, ainda assim, me acho uma pessoa interessante, engraçada e tento respeitar o limite do outro; para mim, essas são características importantíssimas para uma amizade duradoura. Também sei cozinhar muito bem e gosto de dar presentes, enfim, seria super minha amiga rsrsrs.
O que seus pais te ensinaram que você considera bom e passará para os seus filhos? E o que você considera ruim e não passará para os seus filhos? (Catarina)
Seria bem sucinta aqui: das coisas boas do meu pai, a capacidade de rir de si mesmo e viver a vida com leveza. Da minha mãe, ser resiliente e fazer ótimas refeições. Não é só saber cozinhar, é saber cozinhar bem e passar o seu amor através da comida.
De ruim: do meu pai, não ser tão ingênuo e ter um melhor planejamento financeiro. Da minha mãe: machismo, elitismo e preconceito.
Para você, qual a sorte da maternidade? E o revés? (Dani)
A sorte: ver o sorriso e ouvir a risada da minha filha enche meu coração com tanto amor que nunca imaginei sentir.
O revés: O medo de perder tudo isso, de errar com ela, de não estar aqui para vê-la crescer, enfim, o medo de tudo que não posso controlar que envolve minha filha e eu.
A treta da Pri
Como a maternidade mudou sua relação com seu corpo, no tocante a sua autoestima, sexualidade, prazeres, toque e cuidados?(Marcela)
Eu gostei muito das mudanças no meu corpo, durante a gravidez e no pós. Gostei da barriga grande da gestação, dos peitos fartos (já que nunca foram, rs), das coxas grossas e do rosto cheinho. A sexualidade ficou em segundo plano por muito tempo no primeiro ano da primeira filha e levamos super de boa. Afinal, a gente estava sempre cansado, exausto e meus dois filhos demandaram (e eventualmente ainda demandam) muito na madrugada. Nós dois com prazos de doutorado pra terminar e foi realmente parir mais uma criança (cada um de nós). Sobre meu corpo, houve uma fase bem difícil no início da pandemia, então também nada fora da normalidade que geral passou e eu cheguei a 45kg sugada pela sensação de inevitável terror daquele momento. Eu me sentia triste com isso, mas não diria que era um abalo direto a minha autoestima. Contudo, só esse ano comecei a de fato cuidar de mim. Voltei a me exercitar e até comprei uns cremes pra skincare, tudo muito simples e rápido porque qualquer coisa que dure mais que cinco minutos eu ainda não consigo topar. Acho que o pior de tudo foi a diástase que só piorou com o segundo filho e que ainda hoje me exige muita concentração pra eu não fazer xixi sem querer na calcinha, o que às vezes é inevitável, infelizmente. Porém, finalmente comecei a fisioterapia pélvica e estou amando o resultado!
Atualmente estou muito satisfeita com minha aparência e me sentindo segura para colocar em prática coisas que sempre quis e me faltava um pouco de ousadia, tipo abolir o sutiã quase que em todos os looks.
Qual evento da sua vida você estaria disposta a apagar mesmo sabendo que isso poderia culminar numa total mudança de percurso pessoal, familiar, espiritual etc.? O que você acha que aconteceria? (Pri)
Essa é a mais fácil de responder e a mais contraditória: a morte da minha irmã. Se ela estivesse viva, imagino que eu não teria seguido a carreira acadêmica, não teria casado com quem casei e nem moraria onde moro hoje. Provavelmente seria professora de geografia em alguma escola em Campo Grande (bairro do Rio de Janeiro) e teria tido filhos aos 24 anos com meu ex-noivo ou algum amigo da escola antiga. Porém, se minha mãe viesse a morrer, eu teria a companhia da Paty para dividir a dor. Contudo, são só confabulações sobre lamentos e faltas. Porque sinto que esse evento me traumatizou e ao mesmo tempo me impulsionou a buscar novas formas de viver, culminando na vida que tenho hoje e que, apesar dos percalços, eu escolheria de novo e de novo (provavelmente). Tá aí a contradição. Saber que o que conquistei hoje é fruto de alguma forma da dor que a morte dela me causou.
Se você não fosse você, você seria facilmente sua amiga? Por quê? (Ju)
Não sei. Depende de quem eu seria, porque minha personalidade pode espantar muito as amizades, ao passo que também atrai aqueles que acabam me entendendo um pouco mais. Mas não acho que sou uma pessoa fácil de ser amiga. Sou profunda demais, controladora demais e interventora demais. rs
O que seus pais te ensinaram que você considera bom e passará para os seus filhos? E o que você considera ruim e não passará para os seus filhos? (Catarina)
Eu gosto da pontualidade, uma certa responsabilidade com os compromissos assumidos, a organização da minha mãe com as coisas pequenas, desde um caderno de lista de compras de A a Z às datas atrás de cada foto revelada que, antes de chegarem ali, estavam em outro caderninho em que anotávamos o dia que tiramos a foto (escrevi sobre na edição #9). Gostava muito que meu pai me levava em qualquer lugar que eu quisesse ir, me buscava na escola, dava carona para os meus amigos. Contudo, eu não queria ser a pessoa que grita, que se estressa e desconta através do grito. Infelizmente ainda não superei essa parte. Eu não queria também que meus filhos me vissem discutindo energicamente com o pai. Eu quero conseguir dizer eu te amo a vida inteira pras crianças, coisa que raramente ouvi. Contudo, não posso negar que me senti amada pela minha mãe toda minha vida. E a forma de amor dela é a que eu reproduzo. E entendo agora quando ela falava que ninguém dava valor…
Para você qual a sorte da maternidade? E o revés? (Dani)
Poder acompanhar o desenvolvimento infantil de perto, ver as crianças assumirem sua personalidade, os primeiros passos, as palavras, as suposições, a literalidade das ideias. A liberdade e a inventividade. O contraponto é a carga mental, a falta da construção de uma rede de apoio que vá para além da escola e da que podemos pagar. Da sanidade mental de ver tudo desmoronando, mas precisar seguir porque tem uma criança que depende de você. Da incerteza de uma doença, de saber se deixa em casa ou manda pra escola, se dá mais antibiótico ou espera pra ver se melhora sem nada. De toda a cadeia estruturante que precisa funcionar, de um olhar que vá além do óbvio. De nunca descansar, de não acordar a hora que quero, de ainda não conseguir dormir por 5h seguidas mesmo quando a criança não acorda porque meu corpo já está condicionado. De sempre brigar na rua porque não respeitam a faixa de pedestre, dos olhares tortos quando a criança chora… Dos conselhos que não pedi. Da desvalorização da mulher-mãe, da ideia que não somos mais nada depois dos filhos.
A treta da Marcela
Como a maternidade mudou sua relação com seu corpo, no tocante a sua auto estima, sexualidade, prazeres, toque e cuidados? (Marcela)
A gravidez do meu segundo filho teve um impacto muito maior no meu corpo do que a 1ª. Ganhei estrias na barriga, que todo mundo diz que nao se ganha de segunda vez. Fiquei com uma pancinha que ainda não me deixou. Isso teve também algum impacto em minha autoestima, mas também foi uma das motivações de eu começar a levar a sério uma rotina de exercícios e isso teve um impacto também, dessa vez positivo, em como me vejo. Com dois filhos passei também a querer momentos sem ninguém encostando em mim. E isso, claro, influencia uma rotina sexual. Essa relação com os toques e prazeres certamente foi modificada pela maternidade e ainda é um campo de nova exploração para mim.
Qual evento da sua vida você estaria disposta a apagar mesmo sabendo que isso poderia culminar numa total mudança de percurso pessoal, familiar, espiritual etc? O que você acha que aconteceria? (Pri)
Essa pergunta me lembrou de quando eu era criança que, por vingança de uma amiguinha com quem tinha me desentendido, fui lá e roubei uns adesivos dela. Como me senti mal. Aquilo me angustiou terrivelmente, me fez duvidar do meu caráter - eu era uma criança dramática. Queria voltar atrás. Depois de um tempo, percebi que eu tinha aprendido muito com aquele erro. Se nunca tivesse cometido, sei lá quando teria tido a mesma lição. Tendo dito tudo isso, às vezes lembro de alguns episódios que eu poderia ter passado sem. Acho que minha vida nao teria se alterado drasticamente sem eles. Talvez eu estivesse no exato mesmo local que hoje. Mas sem algumas tormentas. Bom, talvez sem alguns aprendizados também.
No fim, acho que sou pragmática e acabo sempre pensando naquela frase budista de “você fez a única coisa que poderia ter feito naquele momento”.
Se você não fosse você, você seria facilmente sua amiga? Porque? (Ju)
Seria sim! Sou gente fina e divertida. Me considero uma boa companhia na maioria do tempo. E relevaria minha cabeça oca e falta de comprometimento em responder whatsapps.
O que seus pais te ensinaram que você considera bom e passará para os seus filhos? E o que você considera ruim e não passará para os seus filhos? (Catarina)
Meus pais sempre foram muito generosos. Não apenas no sentido financeiro, mas no sentido de ajudar e dar o que podiam para que vontades e interesses dos filhos fossem realizados, sempre que eles tinham a possibilidade. Espero poder passar isso também pros meus filhos, essa generosidade e cuidado sem cobrar nada em retorno.
Sinto que faltou na minha criação um olhar atento e um diálogo nas fases da vida que eu estava passando. Ninguém explicava muita coisa e eu tinha que me virar com as ferramentas emocionais que eu tinha. E diálogo aberto e escuta ativa, na adolescência, é algo que considero fundamental. Falo adolescência, mas senti falta disso desde a infância. Até com relação à escolha profissional, por exemplo, senti falta de ter uma troca com meus pais sobre o que esperar de uma faculdade, de uma vida profissional, do mercado de trabalho. Isso espero não perpetuar na criação dos meus filhos.
Para você qual a sorte da maternidade? E o revés? (Dani)
Ando (ou talvez eu seja) otimista com relação à maternidade e vejo várias sortes. Mas uma delas sinto que merece ser falada aqui: as amizades que fiz e ainda faço por conta dela. Ganhei amigas e amigos maravilhosos por causa da maternidade. Até me envolvi num projeto de newsletter que seria inimaginável antes! Muita gente boa que a maternidade me trouxe.
O revés que acho que mais vale ressaltar é a sensação de que nada agora depende só de mim. Tipo, se eu quiser mudar de cidade, mudar de trabalho ou qualquer mudança de vida, vou precisar considerar as necessidade de outrem (ou outrens) até mais do que as minhas. Mesmo uma simples viagem precisa ser bastante problematizada antes para verificar o nível de viabilidade dela. A espontaneidade se perde. As consequências de tudo ganham uma gravidade tremenda. Algo sair errado não vai me prejudicar só a mim. E esse senso de responsabilidade enrijecedor às vezes bate como um desafio.
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