Divinas Tretas #11
Newsletter sobre maternidade real. Com dicas do peito do Rio e do mundo. Afinal, nem tudo é treta. Ou é?
Antes de tudo, muito obrigada por estar aqui!
Aviso: tudo que estiver em azul é link (pode clicar).
Terapia
Acho que já contei aqui que meu pai, o cara mais bacana que passou por essa terra, faleceu quando eu tinha 15 anos. Foi horrível, mas hoje eu queria contar como esse acontecimento trágico trouxe pra minha vida o que antes era visto por mim como coisa de gente maluca, a terapia.
Alguns meses depois da perda repentina do meu pai, alguém sugeriu para a minha mãe que seria bom fazermos terapia de grupo para superar o luto. O grupo seria eu (16 anos), meu irmão (23 anos), minha irmã (26 anos), o irmão mais velho (28 anos), minha mãe (49 anos) e mais a terapeuta. Praticamente uma excursão da CVC.
A profissional indicada era uma freira de um convento da cidade vizinha que tinha formação em terapia ocupacional. Isso foi tudo que eu soube na época. Minha mãe de alguma forma conseguiu reunir todo mundo no nosso Monza vinho e velho, e assim fomos para essa nova experiência.
Chegando lá, sentamos todos em cadeiras escolares (era um colégio) em uma sala grande de piso de taco. E eu lembro do piso porque passei a maior parte do tempo olhando pra ele. Ela pediu para cada um falar um pouco sobre si. Nenhuma palavra. Absolutamente nada. Então ela sugeriu uma dinâmica para quebrar o gelo que envolvia um barbante. Quem recebesse o barbante teria que falar algo sobre si ou sobre o meu pai, e depois jogar o barbante para o próximo. E assim começaram os cinquenta minutos mais constrangedores da minha vida.
Na minha família ninguém fala dos seus sentimentos, ninguém fala abertamente sobre si. E aí de repente estávamos mais expostos que bunda de cachorro tosado e sem opção de fuga. Foi muito estranho e eu mal me lembro do que cada um falou, só lembro que teve muito choro, muito silêncio e poucas risadas.
Saímos prometendo voltar na semana seguinte. Na volta para a casa novamente silêncio absoluto. Nunca mais falamos sobre isso e não voltamos. Até hoje se alguém joga um barbante na minha direção meu primeiro impulso é sair correndo.
Anos depois, eu voltei a considerar a psicologia como forma de me conhecer e processar aquele luto que ainda era tão presente. Dessa vez, sozinha. Ainda assim demorei para encontrar um profissional e uma linha que fizesse sentido pra mim. Até que encontrei algum alento na fala e na escuta ativa através da análise.Mas fui a única da família que seguiu por esse caminho.
Dia desses minha mãe estava aqui e eu avisei que iria para a terapia. Ela apontou para a pia e deu uma risadinha. Meu sangue esquentou a minha cabeça, respirei, e perguntei: O quê? Ela viu a raiva nos meus olhos e não disse nada. Saí furiosa. Piadinha de tiozão, "ter-a-pia".
É engraçadinha ao mesmo tempo que diz muito sobre um povo que insiste em não cuidar dos problemas mentais. E prefere desdenhar de quem o faz.
Depois me questionei se eu não estava sendo chata demais ou implicante demais, será? Ou será que questionar a minha reação não é apenas o eco de uma educação machista que me doutrinou a ser sempre boazinha e calminha.
Fantasiar é preciso
Na minha humilde opinião, grande parte de nós temos várias fantasias que nos movem nos mais diversos aspectos da nossa vida.
Uma coisa que nunca entendi é porque certos adultos se incomodam com as fantasias infantis.
Uma vez uma mãe falou me falou que contava para o filho que era ela quem comprava o presente de Natal porque não queria que o bom velhinho levasse o crédito. A pessoa tá disputando com o Papai Noel, cara! Cê tem noção?
Eu fui uma criança que cresci com uma família tipicamente portuguesa, que fazia festa para tudo e valorizava bastante as tradições. Lembro muito das noites de Natal em que colocava o sapatinho na árvore e na alegria que era ver meu presente nele na manhã seguinte. E quer saber? Eu nem me lembro como foi quando eu parei de acreditar.
Talvez porque tenha sido tão natural que a memória afetiva de acreditar sempre foi muito maior.
Porque é isso, né? As fantasias mudam de acordo com nossas mudanças e não precisa que ninguém nos conte que não tem existe Fada do Dente, Coelho da Páscoa ou Papai Noel. Há quem diga que é enganar a criança, mas será que se ela tivesse que escolher ela também não ia querer viver para sempre com várias fantasias?
Eu defendo muito o direito de fantasias quando se pode, até porque a vida adulta é um desmoronamento de fantasias.
E cá entre nós, mais vale uma criança que acredita no Papai Noel, do que um adulto que acredita em fakenews, não é mesmo?
Ilusão do controle
Eu não sei você, mas a eu-sem-filho adoraaaava achar que controlava as coisas. E foi com essa mentalidade que eu me vi grávida, quase diabética gestacional, com um apartamento em obras, morando na casa da minha mãe. O emocional tava tranquilo né #sqn
Corta para o puerpério, um recém nascido que perdia peso, chorava de cólicas, a mãe de primeira viagem ali meio perdida no baby blues… A cada dificuldade, eu corria pra internet pra tentar descobrir como resolver aquela treta, como-fazer-meu-bebê-parar-de-chorar-desesperadamente-google-pesquisar. Aprendi as diferenças dos 5 tipos de choro do recém nascido, aprendi sobre rotina do sono, aprendi sobre treinamento de sono (desaconselho), incontáveis estratégias pra tentar controlar o incontrolável: a chegada de uma pessoa novinha em folha no mundo e numa família em construção.
Hoje, do alto dos meus 5 anos de maternidade eu entendo que isso tudo era incontrolável, mas aquela puérpera não percebia isso, muito segura de si, mergulhada nessa ilusão, lutando contra a onda, enquanto deveria estar mergulhando em si mesma e se deixando levar pelo caldo que o puerpério dá.
Devagarinho, dia após dia, frustração após frustração, fui aprendendo (na porrada) que não dá pra controlar.
Mal dá pra controlar como eu expresso o que sinto, que dirá o que acontece com o mais novo membro dessa família.
Eu sei que é gostosinho e quentinho esse “lugar” do controle que a gente adulta se coloca, acho que o cérebro gosta da segurança, do previsível. E pra mim os primeiros anos da maternidade têm sido tudo, menos previsíveis. Sabe aquele exercício de entrevistador de RH de “onde você se vê daqui 5/10 anos”? Você, hoje, se imaginaria no lugar onde está, fazendo o que faz, com as pessoas que faz? Você consegue imaginar sua criança daqui 5 anos? Daqui 10 anos? Eu não consigo, pois não faço ideia de como nosso relacionamento vai evoluir, das propostas inusitadas que a vida vai nos apresentar.
Hoje penso que tentar acertar esse exercício de futurologia é me fechar pras possibilidades que possam surgir. E a eu-mãe-de-2022 tem curtido deixar a vida me levar e resolver as coisas quando elas acontecerem, do jeito que der na hora que elas aparecerem.
Brincar de verdade
Começa assim: "mamãe, vamos brincar de doceria?", mas eu já sei que é só a gente começar a colocar os docinhos de brinquedo em cima da prateleira de madeira que o mais novo vai começar a derrubar tudo, ou eu vou colocar uma fatia de torta que ela vai dizer "não, mamãe, essa não pode, ou ela mesma vai achar um brinquedo misturado nas comidinhas de plástico e vai desembocar em uma nova brincadeira. Brincar com minha filha de 4 é assim mesmo, meio sem foco por parte dela e principalmente por minha parte. Eu, que sou a mestre dos brinquedos de montar, que piro numa massinha, que deixo o slime comer solto colando tudo (médio, fica só na mesinha dela) porque adoro a textura, não tenho encontrado o foco em brincar.
Grande parte do meu desfoque tem um nome: sobrecarga. As coisas não andam muito fáceis e me pego com mil coisas na cabeça e sem conseguir fruir aquele fluxo de ideias sem nexo e brincadeiras desconexas imbricadas uma na outra que ela propõe. Nesses momentos, me pego olhando o celular com uma frequência maior do que gostaria de admitir para ver se apareceu algo urgente do trabalho, mas acabo me perdendo num chat de um grupo ou entrando quase involuntariamente no Instagram. Ela se chateia, pede mais que minha presença de corpo físico. E eu tenho pena, cedo, respiro fundo, tento me focar.
Mas esse foco tem vindo a muitos custos. Quando estou assim com muita coisa na cabeça, ter que ficar ali meio a mercê me deixa muito ansiosa. Comecei a perceber que muitas vezes estou visivelmente incomodada em ter que brincar. Taí o meu problema: ter que brincar.
Comecei a pensar sobre o que de fato estou ensinando para minha filha quando fico ali, irritada e ansiosa, brincando com ela por falta de opção. Não quero que ela aprenda que tem que engolir a seco situações incômodas só para agradar alguém, mas quero que ela saiba que nem sempre fazemos o que queremos quando queremos. E que sim, muitas vezes fazemos algo somente porque queremos ver alguém que amamos feliz, mas isso não pode vir a um custo excessivamente caro.
Passei então a dividir mais com ela os meus sentimentos e limites.
Ela já tem 4 anos e já entende um bocado. Explico então que sou adulta e adultos nem sempre querem brincar. Que estou com muitas outras demandas e acho difícil me concentrar na brincadeira. Explico que não estou afim naquele momento, que adultos nem sempre estão no ânimo de brincar. E quando topo brincar mesmo sem estar muito afim, passei a pontuar: "filha, não estou muito afim agora, mas sei que você quer muito, então vou fazer isso por você, mas em breve vou precisar parar, ok?". Assim, alinhamos expectativas antes delas virarem frustrações, pra ela e pra mim.
Minha treta em estar atenta aos instantes
"Quando vocês são jovens, querem ser mais velhos. Quando vocês ficarem mais velhos, vão tentar voltar no tempo. Tentem apreciar os momentos. O que fazemos é colecionar momentos sem importância. Não os reconhecemos quando acontecem, pois estamos muito ocupados olhando para o futuro. Mas passamos o resto da vida olhando para trás. Tentando nos lembrar, reviver os momentos".
Essa é uma das mais icônicas falas de Jack que encerrou a série This is Us esse ano. Ele a diz enquanto ensina os filhos adolescentes e sem pelos a se barbearem, os fitando pelo espelho com os olhos marejados.
Pra mim, a cena traduz um pouco do que penso a respeito de como aproveitar a companhia do outro e como estar por inteiro em um instante que nunca mais vai acontecer e que talvez vire um dia memorável pro resto da sua vida. Tendo isso em mente, sempre criei ou deixei a espontaneidade inventar circunstâncias para guardar nessa caixinha da memória, na esperança que o outro também o fizesse.
Colocando em prática, me lembrei disso durante um banho depois da natação da mais velha. Eu comecei a batucar na barriga dela e ela morria de rir. Pedia de novo e de novo. Ficamos assim um bom tempo no meio daquelas gargalhadas sinceras e poderosas.
Eu conseguia pensar que seria inesquecível enquanto estava acontecendo.
E sendo bem sincera, esses minutinhos especiais, em geral, não são registrados em nenhuma memória virtual. Então, se você puder, anote com a data e o lugar em um caderno especial, ou mande por e-mail o mais rápido possível (dica da edição #7).
Estes dias li em um texto qualquer do Instagram pra gente tentar garantir uma gargalhada honesta da criança por dia. Para isso é necessário empenho, presença integral e paciência. A conta não vai fechar nunca, mas ao menos a gente vai se abastecer de um amor purinho purinho.
Você sabia que dá pra curtir a gente por aqui? É só clicar no coração 🤍 ali embaixo que você manda o seu amor pra cá e nos ajuda na divulgação da news.
Dicas do Peito!
Com elas (as crias)
Lavagem nasal com super heróis e princesas
Da Catarina
Pedi pra uma amiga alguma dica pra colocar aqui nessa seção, e não é que ela me deu uma dica que eu mesma já tinha passado pra ela? rsrs mães.
Esse vídeo ajudou muito a tornar a lavagem de nariz um momento menos caótico e dramático. Não quer dizer que vai funcionar pra todo mundo, mas pra pequena Malu de 3 anos, fez toda a diferença.
Aprendendo sobre antirracismo brincando
Da Dani
A loja Amora Brinquedos possui diversos materiais lúdicos e pedagógicos com representatividade, valorização da cultura negra e educação antirracista.
E uma excelente forma de abordar o tema é incorporar nas pautas e brincadeiras das nossas crias.
Protetor de tomada baratíssimo
Da Ju
Tem bebê engatinhante em casa e tá em busca de protetor de tomada? Trago aqui uma dica que um pai mais experiente que eu me deu: fita durex larga nas tomadas. É muito mais barato e praticamente impossível de o bebê conseguir tirar. Fica meio invisível, pouquíssimo interessante pra ele ir lá e tentar arrancar o protetor que você comprou e achou que ia funcionar (o filho desse pai aí desvendou em menos de 24h como tirava o objeto de plástico).
Stop motion de feltro
Da Marcela
Um perfil do insta que vira e mexe paro pra ver com minha filha é o da Andrea Love, uma artista visual que faz animações em stop-motion com feltro. Uma delícia de ver! E como muitos são de cenas de dia-a-dia, principalmente envolvendo cozinha, levantam muitos papos com a pequena aqui. Fica a dica praquele momento num carro ou numa sala de espera em que você precisa recorrer à tela do celular.
Hora do Blec
Da Pri
Quem ainda não conhece "Hora do Blec" no YouTube está dando muita bobeira. Uma produção nacional de muita qualidade com bastante diversidade. Aqui em casa já decoramos as músicas e ouvimos até sem as crianças por perto de tão boas que são. Eles têm clipes e também o álbum no Spotify. Tenho certeza que vai entrar pras mais ouvidas aí.
Sem elas (as crias)
The crown
Da Catarina
Eu amo, sim existem milhares de poréns, é polêmica, é questionável mas pra mim a série fala de algo que todo mundo ama, mesmo aqueles que não querem assumir, que é a fofoca. The Crown é uma grande fofoca da família ao lado, mas além disso mostra um recorte histórico bem interessante e as atuações mais uma vez estão incríveis. A forma de narrar e toda a qualidade estética da série faz dela, na minha humilde opinião, uma das melhores da atualidade. Na netflix.
Incorporando atitudes antirracistas
Da Dani
Que tal aproveitar o mês da Consciência Negra e começar a pensar em práticas antirracistas que vão para além do mês de novembro? No livro Pequeno Manual Antirracista a autora Djamila Ribeiro descreve 5 atitudes para refletir e incorporar no seu cotidiano:
Informe-se sobre o racismo. Você pode começar acessando o Decreto 65.810/1969 que promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Decreto 65.810/1969)
Enxergue a negritude
Reconheça seu privilégio e seu lugar de fala
Perceba o racismo que existe em nós
Apoie pessoas pretas
Esse último recomendo fortemente, começando por autores pretos que escrevam sobre questões antirracistas como Djamila Ribeiro, bell Hooks, Chimamanda Ngozi Adichie, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e Milton Santos.
Mulheres finalistas do Jabuti
Da Ju
Esse ano, o Prêmio Jabuti, o mais tradicional prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro desde 1959, tem como finalistas da principal categoria apenas romances escritos por mulheres:
“A extinção das abelhas” de Natalia Borges Polesso (Companhia das Letras),
“A pediatra”, de Andréa Del Fuego (Companhia das Letras),
“O som do rugido da onça”, de Micheliny Verunschk (Companhia das Letras),
“Pequena coreografia do adeus”, de Aline Bei (Companhia das Letras) e
“Vista chinesa”, de Tatiana Salem Levy (Todavia).
Eu já li todos esses, realmente notáveis, e estou apostando minhas fichas no “O som do rugido da onça”, pra mim um livro que todo brasileiro deveria ler.
Dicas de parentalidade
Da Marcela
Essa mulher me ajuda demais a lidar com uma das partes mais difíceis da maternidade: educar. Lidar com birras, brigas, gritos, momentos adversos no geral. Acho a Siggie muito pé no chão e sem aquelas metas inatingíveis de alguns perfis de disciplina positiva. Para quem fala inglês (infelizmente o Instagram ainda não traduz as cartelas das imagens e stories).
This is Us
Da Pri
Já que falei sobre a série no meu texto, recomendo maratonar This is Us que, em português, significa mais ou menos Isso somos Nós. Prepare uma pipoca e um lencinho e se deleite em lágrimas de tristeza e momentos singelos por 6 longas temporadas. Eu tenho muita identificação com as reflexões promovidas pela história e a abordagem de temas pesados e pertinentes se dá de um modo muito fluido e delicado. A narrativa transgeracional é centrada num casal e seus trigêmeos. Destaco a atuação perfeita de Ron Cephas Jones, que eu fico querendo levar pra minha casa; a consistência de Milo Ventimiglia (sim! Aquele de Gilmore Girls) e a profundidade de Sterling K. Brown. Atualmente está disponível na Star+ e vai passar em breve na TV Globo.
Já conhece as nossas playlist no spotify?
→ Para ouvir sem as crias
→ Para ouvir com as crias
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Envia para divinastrestasrj@gmail.com respondemos assim que der.
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